Bullying – Maltrato Entre Alunos

BULLYING – MALTRATO ENTRE ALUNOS

ROSELY SAYÃO

FALTA DE CIVILIDADE

Sofremos de um mal na atualidade: a incivilidade. A toda hora, somos obrigados a testemunhar cenas de grosseria entre as pessoas, de falta de respeito pelo espaço que usamos e de absoluta carência de cortesia nas relações interpessoais. Os adultos perderam a vergonha de ofender publicamente e em alto e bom som, de transgredir as normas da vida comum por quaisquer razões. Parece mesmo que nossa vida segue um lema: cada um por si e, ao mesmo tempo, contra todos.

Por isso, perdemos totalmente a sensibilidade pelo direito do outro: cada um de nós procura, desesperadamente, seus direitos, sua felicidade, seu poder de consumo, seu prazer, sem reconhecer o outro. E, claro, isso gera intolerância, discriminação, ameaça. O pacto social parece ter sido rompido e não tomamos nenhuma medida para reverter esse processo. As mídias, por exemplo, comentam cenas de incivilidade ocorrida entre pessoas que ocupam posição de destaque.

Virou moda e ganhou visibilidade dizer tudo o que se pensa, agredir para se defender, fazer pouco do outro. Pessoas que ocupam cargos de chefia expressam seu descontentamento com seus funcionários aos berros e assim por diante.

Ao mesmo tempo, crescem entre os mais novos problemas como falta de limites, indisciplina e falta de respeito pelo outro. O fenômeno conhecido por “bullying” -intimidação física ou psicológica- assusta crianças e adolescentes e preocupa pais e professores. Nas escolas do mundo todo, o clima é de “falta de respeito” generalizado, mesmo que essa expressão seja usada de modo impreciso.
Mas o fato é que as crianças e os adolescentes praticam o conceito de cidadania do qual se apropriaram pela observação do mundo adulto. Em uma conversa com crianças que frequentam o ensino fundamental, ouvi relatos que me deixaram muito pensativa.

Um garoto disse que achava que os alunos maiores intimidavam os menores porque a escola e os pais ensinam que se deve respeitar os mais velhos. Veja você: o conceito de mais velho deixou de significar adulto ou velho e passou a ser usado como de mais idade. Assim, revelou o garoto, uma criança de um ou dois anos a mais que a outra se considera um “mais velho” e, assim, pode explorar os de menos idade.

Podemos ampliar esse conceito apreendido pelas crianças e, além da idade, pensar em poder, por exemplo. Isso nos faz pensar que o “bullying” ocorre principalmente, mas não apenas, porque crianças e adolescentes desenvolvem relações assimétricas entre eles, por causa da idade, do tamanho, da força e do poder.

Talvez seja em casa e na escola que pais e professores possam e devam repensar e reinventar o conceito de cidadania.Mas também temos nós, os adultos, o dever de adotar boas maneiras na convivência social. Afinal, praticar boas maneiras e ensinar aos mais novos o mesmo nada mais é do que reconhecer o outro e buscar formas de boa convivência com ele. Disso depende a sobrevivência da vida social porque somos todos interdependentes.

“BULLYING” E DESRESPEITO NA ESCOLA

“Isso ocorre porque temos preferido nos comprometer mais conosco do que com qualquer outra coisa.” 

A correspondência de duas leitoras dá o tema da conversa de hoje. A primeira -professora de escola municipal do interior paulista- pede ajuda para saber como enfrentar o “bullying”. A segunda -uma garota de 15 anos da segunda série do ensino médio de uma escola particular- relata o que ela chama de “guerra por cadeiras” em sua sala.

Ela conta que prefere sentar-se nas cadeiras da frente para conseguir prestar atenção às aulas e reclama da turma do fundão, que só quer atrapalhar. Ocorre que a turma do fundão decidiu tomar os lugares da frente e, desde então, a classe se dividiu em duas turmas que se degladiam.
A discussão sobre o “bullying” está na ordem do dia. Nas escolas, especialistas das mais diversas áreas são chamados para dar palestras; os pais se preocupam em instruir os filhos sobre como agir caso sejam vítimas; alunos convivem diariamente com fatos do tipo e não sabem como reagir.
Mas o que é “bullying”? Em inglês, “bully” significa amedrontar, intimidar, ameaçar. Qualquer comportamento que, mesmo em tom de brincadeira, intimida, ofende, agride ou exclui é chamado de “bullying”.
A cada dia, nós conseguimos inventar uma moda mais sofisticada e com aparência de seriedade teórica para responsabilizar, cada vez um pouco mais, a geração dos mais novos pelos conflitos e confrontos da convivência humana desde muito cedo. O caso do “bullying” é um exemplo típico de como estamos desertando de nosso papel de iniciar os mais novos nas relações humanas. Estamos abandonado-os à própria sorte.
Esse fenômeno do “bullying” não é nenhuma novidade. Todos sabem do que crianças e jovens são capazes -alguns falam até em crueldade infantil. Acontece que eles olham apenas para si e não têm idéia ainda de que seus atos podem atingir o outro. São inconseqüentes porque ainda não refletem sobre a responsabilidade de seus atos, palavras, condutas. Não conseguem ainda se colocar no lugar do outro.

E é exatamente por isso que os adultos precisam fazer a iniciação dos mais novos na vida em grupo (papel importante da família) e na vida civil (papel notadamente da escola) para, entre outras coisas, mantê-las. E isso exige implicação, compromisso.
Ocorre que temos preferido nos comprometer conosco mais do que com qualquer outra coisa. Estamos nos desresponsabilizando pelos fatos que têm ocorrido com nossos filhos e alunos. É por isso que dizemos, entre outras coisas, que as crianças e os jovens de hoje não têm limites. Parece que ter ou não ter limites tem a ver apenas com eles, não supõe a relação com um outro, em geral adulto.

O “bullying” ocorre com tanta freqüência porque os adultos responsáveis pelas crianças e jovens estão ausentes dessa relação. Vejamos o fato relatado pela leitora: uma verdadeira guerra está ocorrendo na sala dela. E onde estão os professores e coordenadores, que não intervieram nesse processo antes que virasse combate?
As escolas não só não agem decisivamente na mediação dos conflitos e nos ensinamentos das relações solidárias como incentivam a competição entre colegas como motivação para o desenvolvimento nos estudos, além de fazer a apologia dos “alunos populares”. Ora, quem aprende que precisa competir e ser popular usa as armas que tem para tanto. Isso pode significar sair dando cotoveladas para garantir seu lugar. E os pais são cúmplices dessas atitudes da escola, é bom lembrar.

A estudante que enfrenta dificuldades em sala, já que está abandonada pelos professores, precisará alertá-los de que não dá conta da questão sozinha. A professora que não sabe o que fazer precisa convocar os colegas para, em conjunto, estabelecerem metas de trabalho que ensinem, na prática e diariamente, relações respeitosas no espaço escolar. 

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?” (ed. Publifolha)
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br

Leave a comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *