A família e a escola – Sistemas que trabalham com a aprendizagem – Elizabeth Polity

A família e a Escola – Sistemas que trabalham com a aprendizagem

Elizabeth Polity

Tão importante quanto ter um modelo é perceber que ele não passa de uma metáfora.  Assim, quando pensamos em Família como Sistema ou Escola como Sistema, isto é apenas um recurso que nos ajuda a entender o funcionamento de um grupo.

Segundo Sluzki, modelo é um instrumento que auxilia a simplificação e a ordenação de uma realidade complexa, possibilitando definições operacionais, lógicas e pragmáticas.

É com esse caráter que utilizo o modelo sistêmico, aplicado às relações familiares e às relações que se processam em um ambiente escolar, sem esquecer que se trata de uma maneira de pensar, de um ponto de vista.
Esse modelo propõe que todas as redes sociais envolvidas numa situação (neste caso família, escola, terapeutas) são co-responsáveis tanto pelos recursos a serem utilizados, quanto pelos impasses que surgem ao longo do caminho.  Trata-se de construir junto uma experiência compartilhada, através da busca de alternativas de intervenção para essa realidade e da construção de narrativas, entendidas como construções complexas que se estruturam ao redor de tramas temáticas, estando sempre abertas a uma reconstrução transformadora.

Quando pensamos em uma família ou em uma escola como um sistema, não podemos deixar de considerar que ambos são sistemas de vínculos afetivos (Montoro, 1998), pois, nossos processos de humanização, dão-se através das relações emocionais desenvolvidas entre os membros da família e/ou da escola, e vão oferecer um contexto, para que as diferentes fases de aprendizagem ocorram satisfatoriamente.

“Pensando nas relações do grupo familiar, segundo a teoria dos sistemas, podemos dizer que neste, o comportamento de cada um dos membros é interdependente do comportamento dos outros. O grupo familiar pode então, ser visto como um conjunto que funciona como uma totalidade, e no qual as particularidades dos membros não bastam para explicar o comportamento de todos. Assim, a análise de uma família não é a soma das análises de seus membros.”

Se por um lado, em famílias com um maior grau de escolaridade, desde cedo espera-se que a criança seja bem sucedida, e por vezes siga a carreira de um dos pais, por outro, em famílias com baixo grau de escolaridade é muitas vezes a escola, que espera que a criança não seja bem sucedida.  Estas expectativas construídas sobre pré-conceitos  costumam gerar um quadro paralisador que afeta o desempenho escolar do sujeito.

No trabalho com as famílias, podemos buscar algumas questões, como:

• O que a família aprende?
• Como ela se relaciona  com o saber?
• Como a família lida com as dificuldades que surgem no aprender?
• Por que aprender / não aprender é significativo para este grupo, em particular?

Muitas vezes, o sujeito é levado a cumprir mandatos, tarefas, e responder a lealdades impostas pelo meio familiar. Pode tentar rebelar-se, mas sempre terá como referencial o modelo da família de origem (ou o que ele aprendeu lá).  Comparações e identificações também fazem parte do processo de aprendizagem.  Frequentemente percebemos que é preciso corresponder a padrões impostos, onde as limitações, dificuldades ou mesmo preferências individuais, muito pouco ou quase nada, são levadas em conta na hora das cobranças familiares.

Quando se atende uma família é necessário considerar alguns aspectos importantes:  funcionamento e estrutura familiar, possibilidade de diferenciação e formação de identidade, adaptação ao ciclo vital, lealdades, alianças e coalizões, padrões de repetição, modalidade de aprendizagem, manejo dos segredos e mitos familiares.

Esses  componentes dão sustentação para a construção das narrativas familiares, uma vez que fazem parte da trama que define cada grupo familiar, dentro de suas particularidades.

Ao construir junto com a família sua história em relação à aprendizagem, podemos permitir que cada membro re-conte sua história, descrevendo os fatos à sua maneira e, sobretudo, a significação destes para a vida do sujeito.  Isto permite que haja possibilidade de mudanças e flexibilizações, pois segundo Minuchin, “as estruturas familiares são conservadoras, mas modificáveis.  O objetivo do trabalho com a família é aumentar a flexibilidade dessas estruturas e ajudá-la a reajustar-se às novas circunstâncias.”

Com relação à Escola e à educação, observamos que novos paradigmas surgiram, possibilitando que se veja a educação, hoje, como um processo global, mais preocupado em como o aluno aprende, do que com o quê ele aprende.

Na concepção antiga, considerava-se o aluno como um ser receptivo das informações que recebia do mundo exterior, e o enfoque consistia em uma metodologia indutiva.  Dentro do paradigma do Construtivismo/Construcionismo Social, que aqui adoto como referencial teórico, admite-se a existência de um contexto criado pelo e no encontro das relações, evidenciando, portanto, um caráter interacionista da aprendizagem.
Esta nova postura educacional redimensiona o fazer do psicopedagogo e o coloca como “co-construtor” das histórias em que participa.  Portanto, seus pressupostos teóricos comportam tanto a sua subjetividade, quanto a do professor e de seu aluno. Comportam a dinâmica intrapsíquica de cada um, presente no processo de aprender/ensinar, que se manifesta por meio de seus comportamentos, posturas e linguagem, bem como a dinâmica interrelacional, que ocorre entre os envolvidos, para que o conhecimento possa ser construído.  É sob a égide deste paradigma que vamos aqui falar de aprendizagem.

Considera-se hoje que o processo de ensino-aprendizagem ocorre em estruturações conjuntas, que envolvem aluno e professor, num movimento em que as reflexões pessoais e interpessoais são primordiais. Isto porque, o sujeito, para aprender, precisa estar em interação com o outro, construindo seu conhecimento a partir de um conhecimento anterior, compartilhado com o outro.  Deste modo, o sujeito não realiza uma auto-aprendizagem; existe um caráter pluralístico que originariamente é relacional.

Penso que nesse processo existe uma complexidade muito grande, pois nele a comunicação toma forma dinâmica e dialética, envolvendo a possibilidade de uma predominância na articulação das interações, que irão sustentar as transformações das ações no nível intrapsicológico,com a finalidade de internalização.

Nesse novo paradigma educacional fica enfatizado um movimento integrador entre o domínio das disciplinas, da dimensão relacional e da dimensão individual, tendo como meta aprender a aprender, remetendo-nos à integração entre objetividade e subjetividade no processo de ensino-aprendizagem. Evidencia-se  aí uma dimensão complexa desse processo, uma vez que são inúmeras as variáveis implicadas.  Considero que o processo de ensinar (que objetiva a aprendizagem) é sustentado por, pelo menos, cinco eixos distintos:  o cognitivo, o afetivo, o relacional, o técnico e o político, que são indissociáveis e sobrepostos, fazendo com que esta ação humana tenha de articular diferentes fatores. Alguns são propiciados pelo organismo, outros pelo desejo, que se mostra como propulsor do ensinar/aprender, ou ainda, pelas estruturas cognitivas, que representam a base da inteligência e da dinâmica do comportamento, e que podem ser vistas como respostas do sujeito à realidade que o cerca. Já outros são apropriados pelas condições da realidade, incluindo-se aí as relações.

Ainda dentro de um cenário educacional, caberia ressaltar que a aprendizagem pode se dar por, pelo menos, dois níveis:  um mais pessoal, envolvendo o conhecimento sobre si mesmo, sobre seus sentimentos e emoções, sobre as pessoas e sobre as relações, tendo uma estreita ligação com as experiências vividas.  Em outro nível, teríamos um conhecimento chamado de objetivo  ou o que isto possa significar, pois ao trabalharmos com um referencial construtivista / construcionista, questionamos a noção de conhecimento objetivo, mas podemos fazer recortes que nos facilitem a compreensão de uma realidade objetivável – referente ao mundo material, dos espaços, da chamada realidade compartilhada – emprestando as palavras de Bateson, quando este diz que a realidade observada leva sempre a marca do observador.

De acordo com este novo paradigma educacional, os temas (antes chamados de disciplinas) são galerias pelas quais os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros.

Em consonância com uma proposta inovadora no âmbito da aprendizagem, vamos encontrar os quatro pilares da educação propostos pela UNESCO:  aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.  Estes conceitos partem do reconhecimento da necessidade de informar, formar e orientar a escola e os professores a compreender e atuar em realidades  agregando novos valores ao estágio atual, no qual a prática e o debate sobre a renovação pedagógica se limitam à indicação do saber aprender e do saber fazer, como paradigmas máximos.  O aprender a conviver e o aprender a ser ampliam a intervenção pedagógica e as possibilidades de inserção profissional e social dos cidadãos.  A adição destas novas funções da aprendizagem (aprender a conviver e aprender a ser) alarga as possibilidades de intervenção do indivíduo e da coletividade, para que sejam geradas formas de colaboração e de cooperação de trabalho que garantam e ampliem a qualidade de vida, tanto pessoal, quanto profissional.  São indicadores que estão em perfeita harmonia com a visão sistêmica, por proporem um olhar ampliador para o processo da aprendizagem.  

Segundo a UNESCO, neste novo paradigma de ensino, é preciso:

• Reconhecer que não se sabe;
• Trabalhar a partir das questões dos alunos;
• Garantir o acesso do aluno à informação;
• Saber que só se ensina aprendendo;
• Ensinar que há diferentes formas e caminhos para resolver o mesmo problema;
• Auxiliar a desenvolver a capacidade crítica;
• Estimular a curiosidade e direcionar para a busca do conhecimento;
• Valorizar idéias e capacidade de criação;
• Respeitar e dar espaço para as diferenças.

Como bem se observa, é preciso que as instituições escolares desenvolvam um novo olhar, para que a proposta que pretende entender a aprendizagem dentro de marcos sistêmicos construtivistas construcionistas sociais se viabilize.

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Elizabeth Polity é Psicopedagoga, Terapeuta Familiar, Mestre em Educação, Doutora em Psicologia, Diretora do Colégio Winnicott, Diretora da APTF.

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